Carta Aberta: O Ciclo que Quebramos Hoje

Recentemente eu tive uma conversa franca com a minha filha mais velha, quando ela estava lidando com alguns desafios da vida adulta. Resolvi escrever essa carta aberta a todos os filhos que, de alguma forma, já se sentiram órfãos de pais vivos como eu.

Assunto: O que eu gostaria que meus pais tivessem me dito aos 15 anos

Oi, meu amor.

Estive pensando na sua reação às minhas perguntas recentes sobre o seu futuro. Sei que às vezes pareço insistente, talvez até ansioso, tentando entender o que você vai decidir. Mas preciso te contar algumas histórias para que você entenda de onde vem essa minha preocupação.

O que eu vou te contar a partir de agora é pra te dar um panorama geral da minha vida enquanto eu crescia. Não é para acusar nem defender os seus avós, até porque eu imagino que eles também não tiveram ninguém para lhes ensinar como fazer melhor. Eu sei que você já tem maturidade suficiente pra perceber essa diferença, então vamos lá.

Quando eu tinha a sua idade, existia um silêncio na minha casa que gritava muito alto. Não haviam muitas explicações, apenas regras e expectativas.

Eu tinha 10 anos, e ambos os seus avós trabalhavam fora, e sua avó viajava semanalmente, e o seu avô viajava uma vez por mês. Isso era necessário pois fazia parte do trabalho deles, e num determinado período não havia quem ficasse conosco em casa. Então, às vezes eu viajava com a mãe, e sua tia com o pai, e outras vezes era ao contrário.

Lembro bem que numa ocasião em que eu tinha viajado com o meu pai, eu estava esperando por ele na recepção de uma das empresas que ele visitava. Eu até hoje não sei o que houve, pois nunca mais falamos disso, mas ele brigou comigo em público, aos berros. Eu não tinha pra onde ir, estava na frente de pessoas estranhas e num lugar estranho, e me senti profundamente humilhado. Naquele momento eu pensei: “Quem faz isso com um filho, ou sequer com qualquer criança?” Naquele dia eu prometi que seria completamente diferente do meu pai, e ao longo do tempo fomos nos distanciando cada vez mais.

Não muito tempo depois, eles contrataram algumas funcionárias para cuidar de nós enquanto trabalhavam. Algumas eram boas, outras nem tanto, mas houveram pessoas especialmente cruéis e abusadoras, tanto física quanto emocionalmente, que envenenavam a minha relação com meus pais de propósito. Haviam mentiras, ameaças e chantagens; e frequentemente me faziam passar vergonha, difamação, e até coisas muito piores. 

A minha voz enquanto filho foi ficando cada vez mais fraca e inaudível. Eu me sentia impotente, pois não conseguia mostrar aos meus pais que a pessoa que eles haviam escolhido para nos cuidar e proteger era a nossa pior inimiga, e morava dentro da nossa casa.

Lembro bem de uma noite específica, eu tinha talvez uns 13 anos. Eu não conseguia dormir, a angústia de ser adolescente e não me sentir compreendido era grande demais para caber no meu quarto. Fui para a sala, no meio da escuridão, sem saber o que fazer nem pra onde ir, eu sentei num canto, abracei meus joelhos e chorei por muito tempo. 

Meus pais passaram por ali e me viram daquele jeito. Perguntaram o que estava acontecendo, mas eu não tinha uma resposta. Não conseguia encontrar palavras. Antes que eu pudesse tentar explicar que só precisava de um abraço, que só queria me sentir amado e importante… eles desistiram. Me deixaram ali e foram dormir dizendo que era apenas uma “coisa da idade”.

Naquele momento, eu me senti mais abandonado que nunca e aprendi a engolir meus sentimentos.

Enquanto eu crescia naquela casa, também ouvi muitas coisas como: “você acha mesmo que deveria estar fazendo isso”, ou “isso não dá dinheiro”, ou ainda “dinheiro não dá em árvore“, sempre embebido numa grande mistura de valores morais que eu devia seguir sem questionar. 

Naquela casa, eu não tive com quem conversar enquanto crescia. Aos 15 anos eu já sabia que precisava de ajuda, possivelmente psicológica. Mas os tempos eram outros, e o medo de “o que os outros vão pensar” era uma lei silenciosa que todos nós seguíamos.

Toda vez que eu me apaixonava por algo, ou queira explorar possibilidades, eu precisava pedir dinheiro pra eles. Em geral eles me perguntavam a mesma coisa: “Isso é realmente importante?”. Eu percebia que eles só queriam saber o quanto aquilo iria lhes custar, e eu entendo perfeitamente que o dinheiro não vem fácil pra ninguém. Mas o que eu ouvia, por trás daquelas perguntas, era a falta de apoio e interesse pela minha vida e meus sentimentos. O que eu sentia, cada vez que ouvia aquilo era: “Você não é realmente importante”.

Quando fiz 18 anos, eu encontrei um jeito de sair dali. Eu precisava fugir daquele ambiente sufocante e tóxico, mas fui enfrentar o mundo sem saber “nadar”, como um patinho criado por uma galinha choca superprotetora que não sabia ensinar nada sobre a água.

Naquele ponto, eu me sentia tão sem valor, desacreditado de mim mesmo, que já havia desistido da maioria dos meus sonhos, e fui simplesmente deixando a vida seguir seu rumo.

E a vida me trouxe até aqui, e hoje me sinto impelido a escrever essa carta. Como eu te disse no início, te escrevo isso tudo pra te dar um contexto, e também pra te fazer uma promessa.

A minha ansiedade com você, minhas perguntas, são a minha forma (às vezes desajeitada) de garantir que você nunca se sinta invisível. A minha missão como seu pai é quebrar esse ciclo.

Eu demorei muito tempo para entender que “honrar pai e mãe” era muito mais do que viver a vida que eles desejavam pra mim, e definitivamente não significava fazer a vontade deles sem questionar, nem mesmo repetir os mesmos erros que eles cometeram, por melhores que fossem as intenções que tiveram. Recentemente descobri que bastava simplesmente honrar a vida que recebi deles e fazer algo de bom com ela.

E a melhor coisa que fiz com a minha vida foi ser seu pai. E quero mesmo ser um pai que te escuta, que te questiona e te incentiva a descobrir os teus talentos naturais, e também a desenvolver aqueles que requerem dedicação e disciplina. Um pai que jamais vai te humilhar publicamente, ou te abandonar chorando sozinho/a.

Por isso, deixo aqui o manual que eu nunca recebi, com quatro coisas que eu queria ter aprendido na tua idade, mas que escrevi com a minha própria vida para você.

1. Sobre Honrar Pai, Mãe e a Deus — Esqueça a culpa. Honrar a vida que te demos é simples: Seja Feliz. Seus talentos e desejos não são acidentes; são pistas divinas. Deus te deu essa vontade porque o mundo precisa de você fazendo exatamente aquilo que faz seu coração cantar. Se você quiser fazer música, faça música. Se quiser desenhar, atuar, fazer artesanato, estudar medicina ou engenharia, criar cavalos, ou qualquer outra coisa, simplesmente faça.

O que você sente é importante.
Você é importante.

2. Sobre o Tempo — Eu carreguei um arrependimento por muito tempo. Eu queria ter sido bombeiro. Acho uma profissão nobre, queria ajudar as pessoas. Eu também já quis ser piloto de avião, e de automobilismo. Mas em todos esses casos eu hesitei. Duvidei de mim mesmo. Pensei demais. Nunca consegui me levar a sério o suficiente. Falava disso em tom de brincadeira, ou em alguns casos nunca falei disso pra ninguém. Jamais pedi ajuda para saber o que deveria fazer para realizar esses sonhos. Esperei demais. Deixei o tempo passar e a idade limite chegou, agora não posso mais ser bombeiro, nem como voluntário. Eu fechei uma porta para mim mesmo.

Minha única preocupação com você é essa: Não deixe o tempo fechar as portas pra você. Não tenha medo de errar; mas tenha pavor de não tentar. Assuma as rédeas da sua vida e aja intencionalmente na direção do que te motiva.
E falando nisso…

3. A Regra da ação (“Faça ou não faça, não existe tentar.”) — Tudo o que você fizer, trate como algo além de uma aposta, sua vida é valiosa demais para gastar seu tempo fazendo as coisas apenas para ver se vai dar certo, então faça até dar certo. Ou faça apenas para experimentar e ver como se sente. Faça tudo intensamente para descobrir a verdade sobre aquilo o mais rápido possível. Você não precisa ter todas as respostas para os seus próximos 20 anos (nem mesmo para os próximos 2 ou 5 anos). Só precisa saber o que faz seus olhos brilharem.

E isso pode durar 3 semanas, 3 meses, 3 anos, ou 30 anos?
Quem sabe?

O segredo é começar.
O resto você descobre na jornada.
O caminho se faz caminhando.

4. Um Porto Seguro — Quero que as suas buscas sejam leves, mas sei que nem sempre serão. Lute conscientemente contra a culpa moral ou a pressão familiar e social. Muitas vezes, estamos todos apenas tentando interpretar os sinais que a vida nos dá, e na maioria das vezes erramos feio nisso. Errar faz parte do processo. Aprendi que o sucesso é fazer o que é certo, e não apenas fazer as coisas do “jeito certo”. Tudo isso é subjetivo, e para viver como você considera certo é necessário ter coragem de enfrentar os próprios medos.

Eu te convido a ter mais coragem do que eu tive.
Trilhe um caminho diferente.
Experimente.
Viva.

“E se der errado?”
Se der errado, você sempre tem para onde voltar, quantas vezes você quiser. Eu não vou virar as costas e ir embora. Vou estar pronto pra te ouvir, e choraremos juntos se for necessário. Eu vou estar bem aqui, ou posso te encontrar onde você estiver, pronto para te dar o abraço que eu nunca recebi.

Quero participar da tua vida, ouvir tuas conquistas e te apoiar enquanto você encontra o caminho para as tuas respostas. Sem julgamentos.

E o mais importante de tudo é que jamais te esqueças. Eu te amo. Não tem “muito”, não tem “pouco”. Eu te amo na medida exata do que é o amor de verdade: infinito, só porque você existe.

Beijo, com todo o meu amor,
Papai

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